terça-feira, 19 de março de 2013

Sophia Cinza

Estava sentada defronte ao espelho se olhando. Olhava cada detalhe de seu rosto, admirando como se fosse a primeira vez que via a si mesma. Quando finalmente fitou seus lábios fechou os olhos com toda sua força, e se lembrou...
Como era bom lembrar daquela noite. Podia sentir ainda aquela mão deslizando em seu corpo a noite toda, tentando levantar a blusa que ela, culpada pela embriaguez, abaixava. Sentia ainda a barba fisgando sua pele, os lábios acariciando sua orelha e o arrepio. Nunca tinha achado graça em barba, até experimentar os fios preto-acobreados dele.
Abrindo os olhos novamente é que ela sentiu todo o arrependimento de não tê-lo levado pra casa. Se ela soubesse o rumo que tudo ia tomar, ela teria lhe dado aquela carona que ele tanto insistiu. Por quê que ela não saciou a fome dos dois de terem um ao outro, mesmo? Não me lembro. Mas que no outro dia ela sentiu o gosto amargo do arrependimento. Ah, isso ela sentiu! Ressentiu. Persistiu... Este gosto amargo nunca lhe saiu totalmente da garganta.
Tinha medo mesmo era de experimentar o além da barba acobreada, da língua umidecendo seu pescoço, do beijo que saciou a metade do desejo e dos olhos que pediam “pelo amor dos céus” para verem finalmente os corpos nús.
Ela tinha medo de gostar, de ficar de quatro por ele que era tão dele pra ser de outro alguém. E ela que não conseguia não se apaixonar, não quis machucar a si mesma, mais uma vez. Ela sabia que se ela o experimentasse por inteiro ia ser impossível não quere-lo de novo.
Mas por quê mesmo que ele era tão irresistível assim? Taí, não era. Ela é que enxergava nas outras pessoas detalhes tão peculiares que era capaz de amar cinco vezes no mês. O problema foi que ao tentar partir pra outra, como sempre fez, desta vez ela não estava conseguindo e era por isso que estava se olhando no espelho – O que ele fez pra conseguir me roubar de mim? – Ela pensava.
Sophia era o nome dela.
Sophia estava se olhando no espelho como fazia todas as manhãs para ir trabalhar e como em todas as manhãs Sophia sentia o gosto amargo que aquela lembrança trazia, todo dia... Todo dia...
Não, aquele dia ela não ia se arrumar, se ela se arrumasse ia ter que passar na frente do trabalho dele de novo e ela não queria. Estava disposta a esquecer. Mas sempre que tentava esquecer, lembrava.
Já tinha tentado de tudo, simpatia, oração, promessa, até suícidio, mas este último ela desistiu de tentar porque ela era contra ferir alguém, mesmo que este alguém fosse ela mesma.
Engraçado mesmo foi quando ela se pegou planejando a morte dele. Veneno de rato, um incêndio inesperado. Que tal se ela o esquartejasse e colocasse os pedaços em grandes malas, como havia visto no noticiário da TV? Essa seria uma grande forma de esquecer se ela não fosse passar o resto da vida atrás das grades, é claro. Ela não era nada boa em esconder seus rastros, até quando ela passava em frente o trabalho dele ela precisava deixar algum vestígio que informasse que ela passou por ali. E lá se ia mais uma presilha, um botão, um pedaço de papel com suas iniciais.
Era uma romântica descompensada, coitada!
Naquele dia, Sophia terminou de tomar o suco que havia feito pro café da manhã, mas as torradas ela guardou para mais tarde, pois ia se atrasar. Deu tchau pro Huck, seu cão “salsichinha” e partiu para mais um dia cinza. Ela sabia que ia ser cinza, pois não tinha se arrumado, logo não ia vê-lo.
Ia ser um dia corrido, ela precisava entregar uma porção de relatórios em uma porção de lugares diferentes. Com certeza não ia ter tempo para pensar nele. Pensando assim, lá estava ela lembrando da voz dele de novo, em seu ouvido, dizendo o quanto ele queria que ela o tivesse levado pra casa.
Sophia cinza, digitava em seu computador cinza numa sala mais cinza ainda. O relógio cinza na parede cinza, marcava alguma hora daquela tarde... Adivinhem? Cinza! Até que finalmente terminou o último relatório, após entregá-lo ela terminaria mais um dia de trabalho e poderia voltar pra casa pra assistir mais um capítulo daquele seriado ridículo que ela assistia só porque um dos atores se parecia com ele.
Ás vezes eu penso que ela era realmente louca, mas paro de pensar isso quando me lembro que todo mundo é um pouco louco, se visto de perto.
Sophia pegou a chave do carro e partiu rumo ao escritório onde deveria entregar o último relatório do dia. Subiu aquela porção de degraus cinzas, se deparou com uma secretária cinza com um sorriso muito, muito, muito cinza lhe esperando. Entregou o relatório e se sentiu livre pra voltar pra casa.
Saindo pela porta Sophia, que naquele dia não havia se arrumado, pois não ia vê-lo, se deparou com uma piada que os deuses quiseram fazer para se divertirem um pouco enquanto planejavam como seria o fim do mundo. Na saída, bem após a porta do último escritório, lá estava ele. – Mais lindo impossível ! – pensava ela. Mesmo que ele nem estivesse tão lindo assim...
Ficou o olhando por alguns instantes e viu o sol refletindo em sua barba preto-acobreada, percebeu a maneira como ele franzia a testa ao conversar com um colega de trabalho, a coreografia de seus cabelos dançando a dança do vento. Lembrou mais uma vez daquela noite. Da embriaguez duplamente constatada, do abraço que lhe envolvia inteira, do cabelo dele posto de lado que ela adorou acariciar. Lembrou ainda da despedida mais idiota que já tinha feito na sua vida, sem nem ao menos terminar o começado. Custava tê-lo levado pra casa, Sophia? Mas se tivesse, talvez fosse bem pior...
Logo, voltou pra si e lembrou que não havia se arrumado naquele dia. Abaixou a cabeça e entrou no carro imediatamente, deixando pra trás aquele que nunca ia ser seu e nem de ninguém, mas que deixava o seu dia com as cores de uma certa noite, mesmo que acompanhada de um gosto bem amargo.

E assim, Sophia sorria... Sofria... Sorria... Vivia!

Thais Foresto

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